quinta-feira, 25 de junho de 2009

MUSEU FERROVIÁRIO – UMA OPORTUNIDADE PERDIDA?



A Perspectiva



Ainda nos anos 90 do século passado foram dados os primeiros passos para a construção de um museu ferroviário em Portugal.

Depois de muitas demoras quanto ao projecto, acabou por se decidir o que parecia inevitável:

A localização do Museu seria no perímetro da estação do Entroncamento.

O Entroncamento é a estação principal do país, desde os primórdios do caminho de ferro em Portugal, já que fazia a ligação Lisboa-Porto e daí para norte e para o Douro, fazia ainda a ligação pela linha da Beira Baixa para a Guarda, e também até Abrantes, pela linha do leste, para Elvas e para o ramal de Cáceres, construção feita em pleno território espanhol por portugueses para estabelecer uma ligação de Lisboa a Madrid, onde entroncaria com a linha de Madrid para Badajós.

O sul, esse era servido ainda em Lisboa pela estação do sul e sueste, que dava ligação fluvial para a Estação de Aldeia Galega (em 1911 rebaptizada de Montijo), e mais tarde do Barreiro, para toda a rede do Alentejo, de que destacamos a chamada “estrela de Évora”, de onde saiam os ramais de Estremoz, e daí para Portalegre e para Vila Viçosa, para Mora e para Reguengos de Monsaraz, vindo a linha de Casa Branca desde o Barreiro, e ligação ao Algarve, através de Beja.

Os tempos passaram, o período áureo do caminho de ferro pode ser considerado o dos anos 20 aos anos 50, era em que o interior não estava desertificado, apesar da mobilidade humana nunca ter sido grande, num tempo em que as poucas estradas eram más e em que rareavam os transportes públicos de passageiros por modo rodoviário, e em que rareavam igualmente os automóveis particulares.

Estava-se no tempo em que uma deslocação de pessoas ou mercadorias a retalho, e mesmo a distribuição de e para a “província” dos correios tinham que se fazer invariavelmente de comboio, não obstante em muitas áreas o traçado das linhas, ora por causa da orografia, ou por interesses dos proprietários nunca tivesse servido bem certas cidades e vilas que seria suposto servir.

Dois exemplos: No ramal de Moura, a estação de Serpa-Brinches, muito longe de cada uma dessa vilas, e na linha da Beira Baixa, a estação do Barracão-Sabugal, de onde o Sabugal dista mais de 20 km, ou a de Belmonte-gare (Belmonte-Manteigas), que serve a vila de Belmonte a mais de 6 km, e a mais de 30 km de Manteigas.

Com os anos 60 e 70, a mobilidade das pessoas começou a melhorar substantivamente e assistiu-se ao começo da desertificação do interior, por um lado porque os mais jovens ou imigravam internamente para o litoral onde poderiam encontrar outras condições de trabalho, porventura melhores que a perspectiva de se manterem rurais no interior ainda não industrializado, ou para o estrangeiro, ou ainda para a África colonial.

Por outro lado lentamente, o automóvel começou a democratizar-se, os autocarros começaram a deixar de serem meros suburbanos para passarem a percorrer o país, estabelecendo ligações directas a partir do Porto ou de Lisboa para as principais cidades do interior, e finalmente nos anos 80 e 90, com o forte investimento através de fundos comunitários, na renovação e construção de uma nova malha rodoviária nacional de qualidade.

A CP, a única operadora ferroviária até então e ainda hoje praticamente a única, nunca foi capaz de acompanhar os novos tempos, não teve capacidade nem apoio por parte do Estado para tentar manter a sua competitividade, quer em termos de material circulante que a seu tempo deveria ter sido renovado, nem investir em linhas que permitissem velocidades comerciais competitivas.

Desse período restou um esforço considerável apenas nos suburbanos com a aquisição de novo material circulante (as UQE’s 2300 e 2400, as UQE’s 3500 e mais recentemente as UME’s 3400) e renovação integral das linhas e de algumas estações, e ainda o “ciclópico” e estranhamente demorado projecto de modernização da Linha do Norte para que esta pudesse suportar e corresponder às capacidades decorrentes da aquisição dos Alfa-Pendulares da FIAT-Ferroviária, ou seja, investiu apenas no que daria lucro, ou pelo menos não daria tanto prejuízo, e deitou a toalha ao chão no que considerou assunto encerrado – o interior o país.

E a compra das carruagem mais modernas CoRail, para o serviço Alfa, Lisboa-Porto, antes da chegada dos “pendolinos”.

Entretanto procedeu-se à modernização para maior conforto e maiores velocidades das CoRail e de um lote substancial de Sorefame’s a fim de permitirem os serviços de IC’s.

Em todo o resto, continuaram, e ainda em alguns casos, continuam hoje a circularem as holandesas Allan dos anos 50 entretanto renovadas, as Nohab dos anos 40, agora finalmente retiradas de circulação comercial, as UDD Rolls-Royce, “puxadas” ao máximo pelos anos e pelos serviços, as Sorefame’s puxadas por locomotivas MLW do início dos anos 70, ou pelas EE 1400 e EE 1800 dos anos 60, ou ainda composições até aos anos 90 pelas recordistas ALCO 1500 ou 1520, se bem que remotorizadas nos anos 70, normalmente compostas por carruagens “recauchutadas” B-600 ou pelas recentes Alsthom dos anos 80.

Entretanto, foram desactivadas as Budd e as B-600, bem como as Shindler, mantendo-se apenas as que se destinam a passeios turísticos, e ao nível de locomotivas, as EE 1800 e as míticas ALCO 1500 e 1520, substituídas já este século pelas Alsthom 1900 e 1930, compradas nos inícios os anos 80 e a perfazerem praticamente 30 anos de vida, e pelas Bombardier1960, igualmente da primeira metade dos aos 80, pelas eléctricas 2600 e ainda pelas mais recentes Siemens 5600. Continuam ainda ao serviço da CP-Carga as “imortais” 2500 e 2550.

É certo que algum deste material circulante foi melhorado no sentido do conforto, mas não no sentido da velocidade, nem a infra-estrutura foi melhorada, para que se circulassem a melhores velocidades.

Entrou-se então na espiral da decadência inevitável do interior ferroviário no país, com a CP e depois de constituída, a REFER, dona da infra-estrutura, a não fornecer composições modernas, a adoptar horários desadequados, o que diminuiria drasticamente a procura, depois com menos procura, reduziam-se ainda mais os horários, e se com menos e piores horários, fazia-se com que as pessoas cada vez mais optassem pela rodovia, a CP, através do Estado, acabou em muito casos por encerrar muitos ramais, e manter outros sub-aproveitados, apenas numa perspectiva estratégica de rede, como é o caso do troço da Linha da Beira Baixa entre Guarda-Castelo Branco, ou a ligação Beja-Funcheira, ou ainda durante um certo tempo, ligação entre as estações de Portalegre e de Estremoz, até que mesmo aí, tudo acabou votado ao abandono.

Na linha do Douro, dada a modernização da Linha da Beira Alta, Espanha encerrou o troço para Barca de Alva, e a CP respondeu 2 ou 3 anos depois com o término do serviço do Pocinho até essa vila, mantendo-se a infra-estrutura de 28 km muito degradada, e se acaso voltar a ter circulações, a necessitar de grandes melhoramentos.

O mesmo valeu para o encerrado troço de Valença a Monção, ou a ligação que estendia o serviço ferroviário de Guimarães a Fafe.

Na Via Estreita, o mesmo fenómeno aconteceu, com o encerramento das partes terminais do “pente” duriense, com as linhas do Corgo, do Tâmega ou do Tua a ficarem amputadas de grande parte da sua extensão, já que nem o traçado, nem a infra-estrutura nem as composições permitiam velocidades competitivas perante a inauguração do IP-4 que liga Bragança o Porto, e com o inenarrável estado de conservação da linha do Vouga, bem como de muito do seu material circulante, como o que se vê, quer em Sernada, como na Régua, ou mesmo no Tua, onde apodrecem as conhecidas “napolitanas”.

Como é deplorável o estado a que a CP deixou chegar um exemplar do mítico Foguete hoje esquecido numa cocheira em Elvas, enquanto transformou outros em comboios-socorro, descaracterizando-os, numa altura em que ainda havia e há muito material que serviria para esse efeito, como os furgões inox-Sorefame, e desconhecendo-se hoje ainda qual o futuro, ou planos para a sua recuperação eventual.

A preservação das memórias

Independentemente das políticas ferroviárias levadas a cabo pelo Estado através das empresas CP e REFER, era chagada a altura de preservar as memórias e o património nomeadamente através da preservação de material circulante e infra-estruturas com alguns edifícios mais emblemáticos e equipamentos de apoio, linhas ou ramais.

Foi daqui que surgiu pela mão de alguns entusiastas a intenção logo apadrinhada pelo Estado da construção de um museu ferroviário.

E que local para esse museu?

O mais óbvio: O Entroncamento!

Como é conhecido de muitos essa não é a minha localização ideal para que o futuro museu se torne num museu vivo e dinâmico.

Hoje em dia, os museus estão com falta de visitantes, se exceptuarmos o Museu Nacional dos Coches, devido à afluência de turistas estrangeiros que gostam de ver o coche da embaixada de D. Manuel I ao Papa, ou outros barrocos, como os de D. João V ou de D. José I.

E o principal museu do país, o Museu Nacional de Arte Antiga teve um pico de visitantes, quando se tornou um museu que tinha mais a oferecer ao público que a simples exposição estática de parte do seu acervo, coisa que acabou, após a demissão da anterior directora.

Um Museu Ferroviário, tal como outros pelo que representou na história contemporânea portuguesa, no modo de vida das pessoas, na organização e ordenamento do território, deveria ser no meu entender um museu nacional, integrado na rede nacional de museus.

A sua tutela deveria ficar a cargo do Instituto Português de Museus, em protocolo com a CP-EMEF para manutenção do material circulante, ficando a animação e divulgação das peças a cargo de verdadeiros museólogos, historiadores e animadores com formação específica para dar vida a esse museu.

Um museu com estas características não pode ser um simples depósito de material circulante desactivado e guardado em cocheiras ou ao ar livre, muito dele inoperacional, com um pequeno cartaz explicativo colado numa das laterais, com a data de construção, características técnicas, historial das linhas por onde andou, e data de abate.

Para mais, numa altura em que as obras para o futuro museu já arrancaram, é confrangedor o estado de algumas peças a ele destinadas, não se antevendo a médio prazo vontade para recuperar integralmente as peças a ele destinadas.

Um Museu Ferroviário deve situar-se num local de boas acessibilidades e centrar-se numa área com história com motivos para visitas etc.

No Entroncamento, tirando troços paisagisticamente interessantes como o vale do Tejo até ao Fratel ou às portas de Ródão e Tomar, nada mais antevejo de apelativo, para além de que em caso de se realizarem regularmente especiais a partir do museu, as linhas em causa já têm muito movimento e canais horários já estabelecidos, e que condicionariam inevitavelmente essas circulações.

Por isso eu defendi que o Museu Ferroviário se situasse em Évora.

Em Évora, cidade bem servida de estradas desde Lisboa e do interior através do IP-2, bem como de comboio, com os IC’ de e para Lisboa, poderia haver espaço e linhas para que esse se tornasse num museu vivo, com centro de interpretação, e possibilidade de passeios, em material diversificado, desde que devidamente operacional e regularmente mantido.

O eixo Reguengos de Monsaraz, com visita a Monsaraz, e paisagem sobre a albufeira do Alqueva e depois, Évora, Estremoz, Vila Viçosa ou em alternativa, reaproveitando a linha para Portalegre, possibilidades de visita a esta cidade e mais importante, a Castelo de Vide e Marvão.

Possibilidades de visitas a esses locais, com ligação por autocarro e possibilidade de almoço em restaurantes ou bares instalados em 3 locais a ver, de antigas estações, onde o comboio pudesse parar, e até cruzar com outro, poderia ser um verdadeiro museu, com muitos km de linha para explorar, do ponto de vista paisagístico e patrimonial.

E seria finalmente um forma de manter a rede de linhas da chamada “estrela de Évora” operacional, não se perdendo o que ainda resta de linhas férreas que também tiverem no seu tempo uma importância como hoje têm as estradas estruturantes da rede rodoviária, nacional (os IP’s, os IC’s e as auto-estradas).

Para isso a necessidade dos centros interpretativos com técnicos especializados na história da região, e dos caminhos de ferro em Portugal, possibilidades de se realizarem conferências e encontros num auditório, visualização de imagens de arquivo, acervo bibliográfico e documental dedicado à temática em causa, e ainda, porque não, o estacionamento em certas estações, e devidamente vigiado, algum do material circulante desactivado, ainda que sem valor museológico muito relevante.

Para esse museu, seria necessário ter presente algum material circulante em boas condições de funcionamento, e que em cada época marcaram uma região, como 2 carruagens Shindler, 2 B-600, 2 ou 3 Budd, 3 Sorefame´s não renovadas, uma delas com bar, e ao nível de locomotivas, a Alco 1501 e uma outra de reserva que teria que ser restaurada integralmente, um ou duas EE 1800, duas loc. a vapor, com tender, e em que o reabastecimento de água se fizessem através de depósitos tradicionais nas estações, em local a determinar.

Também a possibilidade de estar sempre de reserva uma 1900 ou 1960 para qualquer eventualidade (avaria) e 1 ou duas EE 1400, que ao longo de quase 40 nos marcaram a paisagem ferroviária no país.

Ao nível de automotoras, uma Nohab (a 0111?), e uma Allan, bem como uma UDD 400 não renovada, e uma UTD 600

Neste museu ficaria de fora o material eléctrico, sendo essa a desvantagem da localização, mas a seu tempo, acreditamos que se poderia investir na electrificação da via entre o Pinhal Novo e Évora, pelo que nesse caso também ali poderia estacionar algum material eléctrico histórico, embora ainda em funcionamento, como as loc. 2500 e 2550, ou ainda uma UTE 2000. Um exemplar da linha de Cascais, nomeadamente uma UME Craven devidamente restaurada, ficaria estática.

Também, numa linha de resguardo, algum material circulante de mercadorias, com uma unidade mais representativa do seu tempo.

A fim de descentralizar, e uma vez que a Via Estreita em Portugal se situa no norte, acharia que o melhor local para tal museu seria o da estação do Pocinho, ou do Tua, com a mesma filosofia de funcionamento, estacionamento em linhas a construir de material circulante a vapor devidamente restaurado e funcional e automotoras diesel das várias gerações, bem como material rebocado de passageiros e alguns vagões de mercadorias, onde haveria um centro de interpretação, acompanhantes, visita ao material e possibilidade de percorrer a linha do Tua até Mirandela, e regresso após o almoço.

Dada a possibilidade da construção da projectada barragem, outro local alternativo seria Sernada do Vouga, ou ainda o Pocinho, para tanto sendo necessário reabilitar a linha para Miranda do Douro, para os passeios.

Acredito que com um museu destes, com gente qualificada, boa divulgação nacional e internacional, estes museus seriam pólos de atracção de visitantes e de entusiastas de outros países.

No Entroncamento, a fazer-se um museu puramente estático, e em que a perspectiva dos especiais em Portugal pouco variam entre os passeios esporádicos do PTG ou de um ou outro aluguer por parte de uma instituição pública ou privada para os seus altos quadros, mas ainda assim sempre em material circulante que hoje se encontra activo, acredito, que o Museu Ferroviário no Entroncamento, como o antevejo, será para ter visitas durante 2 ou 3 meses, pelos entusiastas, e que depois acabará por ficar vazio e sem visitantes, o que será pena, e uma oportunidade desperdiçada.
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Rui Manuel Elias - 10 de Outubro de 2007

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